Susana Félix
J.A. - A sua carreira começou aos 12 anos na grande noite do fado. Depois dessa noite, teve um período em que esteve mais ligada ao teatro, em Torres Vedras. Quer falar-nos dessa faceta da sua vida?
S.F. - Sim, quero. Fiz parte do elenco do Clube Artístico e Comercial de Torres Vedras, que é uma casa de arte, uma casa de artistas amadores. Durante esse tempo, eu fiz teatro amador, em que cantava, essencialmente cantava, porque faziam um espectáculo do género melodias de sempre. Mas era um espectáculo engraçadíssimo e super interessante porque, pelas características amadoras do grupo em si, eu aprendi a fazer basicamente tudo o que há para fazer num espectáculo. Aprendi a idealizar um guarda roupa, pintar os cenários, nós participávamos em tudo. Por falta de condições, principalmente a falta de dinheiro que existe nesses grupos de teatro, nós éramos obrigados a participar em tudo, mas, nessa altura, para mim, era tudo extraordinário e foi a hipótese que eu tive de aprender como se fazia um espectáculo, do principio ao fim.
J.A. - Então, isso foi uma boa base para a sua carreira?
S.F. - Sim, foi uma base extraordinária para a minha carreira.
J.A. - Pelo que eu me apercebi, a Susana gosta das artes?
S.F. - Gosto.
J.A. - Porque não enveredou pelo teatro e sim pela música?
S.F. - Mas eu fiz teatro, mais tarde, acabei por fazer teatro mais tarde, mas as coisas não se proporcionaram. Porque, realmente, dentro de um grupo de teatro, a minha especialidade, entre aspas, era cantar. E então foi esse o caminho. É essa a minha linguagem principal, é aí que eu me sinto mais à vontade. Mais tarde, acabei por fazer teatro, entrei numa peça, com encenação de António Feio e música de Sérgio Godinho, no S. Luís. Foi uma experiência que eu gostei imenso, ou seja, não me aborrece nada ser a maluquinha do teatro, estar todos os dias em palco, ter que fazer a mesma coisa todos os dias. Não me aborreceu absolutamente nada, gosto disso, porque gosto muito de estar em palco, porque foi isso que eu aprendi a fazer, logo desde muito miúda. Eu não faço parte daquela geração de karaoke, da geração de bandas de garagem. Não, eu faço parte da geração dos grupos recreativos, estar em palco,ter plateia.
J.A. - Então voltamos à grande noite do fado. Canta fado?
S.F. - Eu canto fado, mas em casa.
J.A. - Fale-nos da sua carreira.
S.F. - É um processo bastante longo. Desde os 12 anos até aos 24 anos, altura em que eu gravo o meu primeiro disco, foi um processo em que sempre cantei, mas foi um percurso onde eu fiz coisas diferentes. Por exemplo, fiz coros para outros artistas, para a Mafalda Veiga, para o João Pedro Pais. Trabalhava muito em estúdio, ou seja, fiz coros para muita gente, fiz publicidade, era a minha profissão. Quando saí de Torres Vedras e vim para Lisboa, a minha profissão era fazer coros, era cantar, mas lá está, sempre dentro da música. Entretanto, fiz parte do elenco do Filipe La Féria, durante algum tempo, também em teatro. Quando chegou à altura de fazer o meu primeiro disco, em que eu me predispus a criar um estilo de música, que fosse meu, comecei a compor. Já compunha anteriormente mas aí descobri que não compunha fado. Ou seja eu não me aborreci com o fado, continuo a adorar cantar fado, mas descobri que eu, como compositora, não compunha fado. Daí o facto da minha carreira, musicalmente, se ter desviado desse estilo musical. Dentro da música, gosto de estilos diferentes, onde está incluído o fado. Também o facto de ter um estúdio de gravação, permite-me trabalhar com outras pessoas, aprender muitas coisas, outras formas de trabalhar, diferentes da minha, estou sempre rodeada de músicos, o que é fantástico.
J.A. - Os meus netos, quando deu voz a séries animadas, como Pokaontas, Rei Leão II e Herodes, gostavam muito de a ouvir. Eu sempre a gostei de a ouvir, principalmente após a sua participação musical, na telenovela Anjo Selvagem. Gostava de a ver na televisão, mas vai lá tão poucas vezes, porquê?
S.F. - Olhe, se começar a ver na perspectiva dos músicos, nós músicos, neste momento, temos poucos programas de televisão onde possamos actuar. É uma pena! Nós, músicos, não temos forma de alterar este sistema, A pouca música que passam nos programas, encaram-na como um intervalo de 3 minutos, entre duas conversas, situação muito pouco digna. Neste momento, existe um desencontro para com a classe dos músicos. A música é importante para toda a gente e deve ser encarada como cultura, não pode ser encarada doutra forma, porque é mesmo cultura. Porque a música é o que nos aproxima dos nossos poetas. Quando viajamos, não vamos a recitar Camões ou qualquer outro poeta, mas podemos ir a cantar uma canção em português, porque precisamos disso par o nosso bem estar, para relaxar, para a nossa alma, porque cantar faz bem à alma. Cultura é isso tudo, o que nos faz bem á alma, portanto música é cultura. E a música está tão perto de nós, está à distância de um botão do rádio do carro e tem que estar à distância da televisão, porque a televisão é um meio de comunicação de massas. Não percebo porque a televisão privou a pessoas de estarem em contacto com a nossa música, com os nossos compositores, com os nossos poetas. Exceptuando nas novelas. Mas aí, por vezes, não é associada a voz ao artista. E há toda a necessidade, para o mesmo, que haja essa associação.
Normalmente, a música é ligada à personagem. Toda a gente a conhece mas não a associa ao artista que a interpreta.
Mas eu, mesmo assim não me posso queixar. Comparando-me com outros artistas e com novos artistas que aparecem, neste momento, sinceramente, não me posso queixar. Porque é muito difícil ver pessoas, com grandes talentos, a não ter oportunidades e cada vez se torna mais complicado. E lá está, a carreira é associar as músicas aos cantores para que toda esta engrenagem possa funcionar. A música, na nossa história, foi extremamente importante. Por exemplo, na história recente, no 25 de Abril, foi uma música de Zeca Afonso que foi uma forma de sentir, de querer que acontecesse qualquer coisa. Neste momento, se o Zeca Afonso fosse nosso contemporâneo, iria tocar onde? Isso deve-nos assustar, a todos.
J.A. - Em 2007, tivemos Pulsação. E o futuro que nos traz?
S.F. - Olhe, isto é um disco que me deixa muito contente e muito confortável, não só pelo resultado, como pela maneira que foi elaborado, com outra maturidade, que ao longo destes 18 anos se foram adquirindo, tanto a nível musical como pessoal, e agora estou com grande vontade de o levar para a estrada.
J.A. - O que pensa do projecto do Jornal das Autarquias?
S.F. - Eu acho um projecto muito interessante. Interessante mesmo, porque é um ponto de união entre as autarquias. Tem a ver com a troca de informação e experiências e é sempre muito positivo. Este fenómeno das autarquias terem os seus jornais, as suas rádios, terem a sua informação e a sua história e as suas características, eu que não sou de Lisboa, sei o que isso é. Ouvir uma rádio local, abrir um jornal regional, eu sei qual é a importância que isso tem na vida das pessoas. É falar da vida das pessoas de uma forma muito próxima e muito directa, e isso é muito bom! Agora, poder reunir todos esses pequenos núcleos, ao espaço de um clique, para passarmos ao núcleo do vizinho do lado, acho extraordinário. Acho que isso nos aproxima muito mais uns dos outros do que, por exemplo, ver um telejornal de uma televisão onde já se passa por uma série de filtros, já se passa por um olhar de uma realidade diferente, o que não é o Portugal real. Acho o projecto realmente interessante
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