Entrevista da Presidente da Câmara Municipal da Praia da Vitória

Vânia Marisa Borges Figueiredo Ferreira

Nota introdutória:
Antes de introduzir as respostas às vossas questões, importa referir que a Câmara Municipal da Praia da Vitória, integrando a Região Autónoma dos Açores, enquadra-se de uma forma mais específica sob a alçada de um governo autónomo, pelo que algumas das questões, assim como as respetivas respostas partem de enquadramentos mais particulares e específicos.

J.A.-O turismo e o sector primário são valorizados nessa autarquia?
P.C.-Sim,somos um Concelho rico em cultura e tradições, celebramos durante meses as touradas à corda e de praça, o culto ao divino espírito santo, os desportos náuticos e radicais, os momentos musicais e os desfiles temáticos que alegram as nossas ruas, ano após ano. Sabemos que a identidade cultural de um povo é a sua essência e, igualmente, o seu cartão de visita junto das atuais e futuras gerações. Neste sentido, existe uma união de esforços com as equipas do Município que trabalham nesta área, assim como com os agentes de turismo para que o nosso património histórico e cultural, enquadrado no verde da natureza seja valorizado. Potenciar o nosso legado constitui um dos nossos objetivos, no sentido de dar a conhecer as mais valias de cada uma das onze freguesias que integram este Concelho. Diversificar o conjunto de experiências junto de quem reside e visita a Praia da Vitória é um trabalho contínuo e que estamos focados em proporcionar. Não abdicamos desta panóplia de aventuras que são a imagem de marca da Praia da Vitória, da Ilha Terceira, nos Açores.

J.A.-As medidas já tomadas pelo Governo contra a violência doméstica, serão suficientes para atenuar esse flagelo?
P.C.-Apesar de existir uma preocupação em gerar novas medidas contra a violência doméstica, a verdade é que existe um longo trabalho a desenvolver nesta matéria. O mesmo é exigente e contínuo. A lei não vai ao encontro da salvaguarda das populações afetadas, sendo o maior problema a abrangência da capacidade de ação e a morosidade dos procedimentos necessários para minimizar os efeitos desta problemática. O problema reside na eficiência das medidas definidas, que além de limitadoras levam mais do que o tempo necessário para produzirem o efeito desejado. A violência doméstica exige rapidez de resposta, um foco nas equipas de intervenção e um reforço de elementos, em constante articulação com as forças de segurança. Naturalmente, este será sempre um flagelo difícil de combater, até por um conjunto de circunstâncias que ultrapassam, por vezes, qualquer Governo, qualquer Autarquia, dependendo sempre das denúncias efetivas que ajudam muito na validação destes casos. É importante trabalhar a proximidade e sensibilização, é importante reforçar equipas, é importante medidas de ação eficazes e, igualmente, importante desmistificar a violência doméstica. Por isso, este é e será sempre trabalho de luta contínuo e exigente.

J.A.-Como encara a violência nas escolas?
P.C.-A violência é uma preocupação constante e transversal a qualquer estabelecimento de ensino, seja ela verbal ou transposta em atos. Naturalmente, esta realidade, em franca ascensão, exige um trabalho multidisciplinar entre todos os que de alguma forma intervém na vertente da educação no Concelho. O nosso trabalho, enquanto autarquia, assim como o trabalho dos professores, auxiliares e educadores, muito válido e necessário é sensibilizar e envolver as crianças, as suas famílias no reforço de condições ao nível da segurança e salvaguarda do bem-estar de todos. O princípio é de abertura, no entanto é necessário que todos possamos trilhar o mesmo rumo, por uma questão de coesão e de suporte e intervenção sempre que seja necessário. Esta é uma das funções deste Município, cientes desta realidade, continuamos a tentar que dia-após-dia as nossas crianças se sintam mais acolhidas e importantes. São elas que irão garantir o futuro, a coesão deste Concelho, que se pretende feliz, com qualidade de vida, com sentimento de pertença e exemplo pela comunidade que o define.

J.A.-Existem cada vez mais maus tratos, tanto em adultos como em crianças, incluindo violações. Quer falar sobre o assunto?
P.C.-Sim, apesar da nossa realidade ser de uma dimensão mais reduzida, é um facto que tal acontece e não deixa de ser igualmente preocupante, dado que a violência nunca é algo positivo, em momento algum.Esta perceção errada de que a diversidade, de que a diferença deve ser encarada como algo negativo e não como algo extremamente rico, positivo e necessário em todas as comunidades é um estigma que infelizmente teima em persistir. A mudança é feita sempre com resistência e a valorização associada aos que sempre pensam da mesma forma ou seguem a maioria. O poder está associado às maiorias, que por si só, e por vezes, exercem alguma pressão nas minorias. Este é um facto que não podemos negar, o mesmo existe e sempre existirá, por vezes atingindo limites de extrema gravidade, como é o caso dos maus tratos e das violações. A nossa sociedade ainda tem um longo caminho a percorrer nas mudanças de paradigmas educativos, paradigmas esses que acontecem na escola e começam no seio familiar. Denotamos um esforço na aceitação do próximo, na sua forma de ser ou de estar, sempre respeitando aqueles que são os limites de cada um, no entanto este é sempre um trabalho delicado e com consequências muito imprevisíveis. É difícil assegurar o nosso bem-estar e o do outro, numa sociedade que, em certos aspetos, ainda acha que soluções chegam por si só e que a prevenção não é o princípio de um caminho que se pretende seguro e necessário em qualquer elemento da nossa comunidade.

J.A.-Que recursos financeiros necessitam as populações mais enfraquecidas (a vários níveis) nessa autarquia?
P.C.-Trabalhamos para garantir uma boa qualidade de vida à população, somos esforçados e estamos atentos, temos equipas que acompanham os nossos munícipes naquelas que são as suas necessidades mais prementes. O maior enfoque é o apoio à habitação, sendo esta a maior necessidade verificada, o que não invalida outros apoios, até pelos impactos económicos e decorrentes do estado do mundo neste momento e aos quais não somos indiferentes. A nível local, o custo de vida está elevado, uma realidade transversal a todos nós e que exige maior atenção e cuidado. A nível social e do envelhecimento ativo, este Município está focado em garantir uma melhor qualidade de vidados idosos, em estreita relação com as instituições do Concelho e com o Governo dos Açores, no sentido de colmatar necessidades. Além das atividades de índole social e cultural destinadas ao combate à solidão e aproveitando a proximidade com as nossas comunidades, o nosso Governo determinou a criação do programa “Novos Idosos” para assegurar os serviços e auxílios necessários à realização das atividades básicas e instrumentais da vida diária.

J.A.-Como reagiu essa autarquia com a chegada de imigrantes, quais as medidas que foram tomadas?
P.C.-A ilha Terceira não foi alvo da chegada de imigrantes em grandes quantidades, isso se considerarmos a crise migratória decorrente nos últimos tempos dos problemas económicos e sociais, a par com a guerra da Rússia com a Ucrânia. Os migrantes virão em Portugal Continental, Espanha e Itália, de entre outros países, oportunidades para uma melhor qualidade de vida, verificando-se uma adesão pouco significativa nos Açores, no entanto não menos importante. Partimos sempre do princípio de acolhimento que é muito característicodo povoportuguês em geral, garantindo o melhor apoio e compreensão perante estas situações no mínimo delicadas e muito exigentes. Tentamos e, em colaboração com as forças vivas do Concelho, assim como junto do tecido empresarial absorver estes recursos, a fim de os envolvermos na comunidade, respeitando os seus princípios culturais e sociais. Este é o nosso objetivo, sempre e em qualquer situação que envolva o bem-estar das pessoas que se dirijam à Praia da Vitória.

J.A.-O que pensa sobre as medidas que o Governo quer implementar sobre o parque da habitação?
P.C.-É facto que tem havido um esforçona aplicação de medidas de apoio à habitação, considerando o investimento em arrendamento acessível e na valorização de património. Isso é inegável, no entanto, e até ao momento, as medidas não têm sido sentidas pela população como eficazes ou suficientemente apelativas no que concerne à aquisição de habitação ou no apoio às rendas.Efetivamente, não conseguimos sentir ainda os efeitos positivos das mesmas, apesar de ressalvarmos o esforço do trabalho desenvolvido. No caso do Governo dos Açores, este está focado, e considerando o Plano de Recuperação e Resiliência, na viabilização de edifícios energeticamente eficientes em termos ambientais e na renovação do parque habitacional, que são medidas igualmente importantes e potenciadoras do desenvolvimento da Região.

J.A.-Os preços de bens alimentares, cada vez estão mais caros! Quais medidas deverá tomar o Governo para colmatar esse flagelo?
P.C.-O Governo da República optou pelo IVA 0, medida praticada em Espanha e com sucesso, tendo sido igualmente aplicada no nosso País, no entanto a medida peca no método de implementação. Apesar de teoricamente funcional, existem dúvidas de que esta esteja a ser aplicada corretamente, logo a credibilidade da mesma é posta em causa. Estão a ser tomadas medidas, e isso deve ser, claramente, valorizado, no entanto não o suficiente para os impactos sociais que se preveem duradouros. Vigoraigualmente um apoio a famílias vulneráveis, um apoio adicional às crianças e/ou jovens que já beneficiem do abono de família, assim como aos funcionários públicos, com o aumento nos salários e no subsídio de refeição. Estas medidas são importantes e têm o seu efeito, no entanto, apesar de considerarem os mais desfavorecidos e as classes sociais mais generalizadas, assistimos ao suporte do estado nacional sempre pelos mesmos estratos sociais. São as classes médias que contribuem para a manutenção das altas e suportam as baixas. Apesar de as medidas serem positivas, deveriam envolver as classes médias mais diretamente, considerando o seu peso direto no equilíbrio do estado da nação.
Particularmente,e a nível local, considerando o facto de integrarmos uma Região Autónoma, com um governo que de forma mais direta e próxima implementa medidas prevendo as realidades particulares de cada uma das nove ilhas permite-nos, além das nacionais, um reforço nas implementadas a nível regional. Estas envolvem igualmente um reforço de rendimentos a famílias carenciadas, o que é muito positivo, considerando as particularidades de cada ilha.Temos essa vantagem, que em muito considera os casos específicos de cada agregado familiar, no entanto o trabalho a fazer ainda é longo e continuamos em estreita ligação com as entidades locais no sentido de suportar, sempre em proximidade, as necessidades habituais.

J.A.-Que medidas pensa tomar durante o seu mandato?
P.C.-O trabalho é árduo, os desafios são enormes, dado o valor da dívida que herdamos e que, claramente, dificulta a implementação de medidas profundas e de amplo investimento que poderiam alavancar a economia local e o desenvolvimento do Concelho. A nossa prioridade é a redução desta dívida, contribuindo para o equilíbrio orçamental da Autarquia. Sem este princípio de ação não é possível avançar de forma concreta para a implementação de medidas. Estamos a fazê-lo, o nosso objetivo é dinamizar a Cidade, envolvendo as freguesias e a Vila, através da potenciação dos pontos fortes que ela detém, nomeadamente a baía da Praia da Vitória, o seu centro histórico e o seu património. Pretendemos que a Praia da Vitória seja ponto de visita obrigatório, seja junto de quem nos visita ou mesmo de quem cá reside. Dispomos de condições únicas e essenciais a uma boa qualidade de vida, a natureza agraciou-nos com a sua beleza, as experiências são únicas e a nossa identidade rica em tradições. As dez freguesias e a Vila, sendo onze no total, que integram o nosso Concelho são parte integrante da nossa rica história, pelo que reforçamos o apoio financeiro às mesmas, no sentido de as potenciar e dinamizar.

J.A.-Com a aproximação do tempo quente, Verão, quais as medidas que foram tomadas para precaver o flagelo dos incêndios?
P.C.-Esta situação não é muito recorrente nas ilhas açorianas, o clima de carácter húmido reduz a propagação de incêndios e o verde que nos caracteriza é a nossa imagem de marca. Esta realidade não se aplica a nível local, o que não invalida que seja impossível de ocorrer. Seja em qualquer situação de incêndio, temos a nossa Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários que, em colaboração comtodas as Juntas de Freguesia que integram o Concelho e dispõem de planos de emergência para o efeito, atua, sempre que se justifique, e de forma eficaz, no sentido de apoiar este Concelho constituído por 19,482 habitantes.

J.A.-Que problemas mais prementes necessitam de intervenção rápida nessa autarquia?
P.C.-Um dos maiores problemas, pelo menos o mais visível, e que envolve investimento que não nos é possível suportar, é a dinamização do centro histórico da cidade com novos negócios. Sejam eles nas vertentes do turismo, dos têxteis, da restauração ou de outros serviços. Neste momento, e considerando a dívida realizada pela autarquia nos anteriores mandatos PS, o nosso objetivo é regularizar o máximo possível as contas, pelo que inviabiliza esta situação, que seria um contributo importante na dinamização da oferta a nível local. A captação de investimento, com o intuito de valorizar o Concelho seria muito importante no desenvolvimento local.
Outra das problemáticas envolve intervenções nas vias do Concelho, que ano após ano exigem manutenção e apoio, até por uma questão de segurança na circulação. Felizmente, e com o apoio do Governo dos Açores, tem sido possível intervir em algumas da nossas estradas e caminhos de menor acesso, no sentido de contribuir para a qualidade de vida da população.
A habitação social e a degradada exigem uma atenção constante, até pelas exigentes necessidades que surgem e que envolve, em muito, a qualidade de vida da comunidade, pelo que trabalhamos com eficácia ao tentarmos garantir a resolução das problemáticas afetas ao estado da habitação no Concelho. Preparar e garantir a resolução destas necessidades exige uma união de esforços constante, em consonância com as juntas de freguesia locais e a Secretaria das Obras Públicas, no sentido de reforçar o trabalho em prol da coesão social.

J.A.-Como está a situação financeira da autarquia neste novo mandato?
P.C.-A situação financeira é delicada e exigente, até porque aquando da nossa chegada deparamo-nos com inúmeras dívidas que se traduziram numa herança pesada e que exige uma gestão interna e externa muito criteriosa e difícil. Estamos em fase de contenção, de redução na aquisição de bens e serviços e de reestruturação de recursos humanos, no sentido de podermos estabilizar o melhor possível o funcionamento da mesma e dar o seguimento necessário no âmbito daquelas que são as nossas funções enquanto Autarquia.

J.A.-Qual o apoio que presta apoio às juntas de freguesia?
P.C.-As Juntas de Freguesia desempenham um papel fulcral no envolvimento da população residente do Concelho, sendo necessárias ao desenvolvimento local como veículo de proximidade. A nossa relação é estreita e parte de uma união de esforços que se pretende coesa e funcional em prol de todos os Praienses. O nosso maior efeito passa pela delegação de competências, com a atribuição de um valor monetário de apoio e suporte às freguesias no desenvolvimento das suas atividades.Prestamos apoio igualmente em diversosserviços que garantem o reforço das mais-valias que caracterizam cada uma delas. É fulcral que as Juntas de Freguesia sejam envolvidas na dinamização e valorização do Concelho.

J.A.-Que mensagem quer transmitir à população da sua autarquia?
P.C.-Acima de tudo, e apesar das dificuldades inerentes ao nosso Município, gostaria de ressalvar que estamos empenhados em corresponder aos desafios e anseios que se impõem a este Concelho e que, individualmente, cada Autarquia terá mediante as suas particularidades e circunstâncias de ação. Estamos a trabalhar de forma justa e transparente para que possamos contribuir para o desenvolvimento local e, salvaguardar o bem-estar das pessoas, no sentido de reforçar igualmente a coesão social. Abertura e proximidade são princípios de que não abdicamos, até porque sabemos da importância da união de esforços entre instituições e forças vivas, no sentido de contribuir para a sustentabilidade da Praia da Vitória

J.A.-O Jornal das Autarquias existe desde 2007! Quer deixar-nos a sua opinião sobre o trabalho do mesmo?
P.C.-O vosso Jornal desempenha um papel fulcral na partilha de conhecimentos sobre o País, no nosso caso em concreto, sobre as Regiões Autónomas. Todas as experiências e valores que possam ser dados a conhecer e reforçados são sempre uma mais-valia e de louvar. Acima de tudo, é importante valorizar o que é nosso e também expor todo um trabalho que é feito com rigor, empenho e dedicação em Portugal aos portugueses e e aos residentes além-fronteiras. Votos de muito sucesso para todos os que de uma forma ou de outra garantem a qualidade informativa e a nossa identidade.

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